1.6 - Correlações entre estrutura e propiedades

Uma molécula de polímero pode ser definida como um agregado de unidades repetitivas (meros), unidas por ligações covalentes. A polimerização é um tipo particular de reação química, na qual se partindo de um ou mais tipos de moléculas (monômeros) ocorre a formação de uma molécula de alto peso molecular (polímero). Para que a reação de polimerização ocorra é necessário que as moléculas dos monômeros tenham no mínimo dois grupos reativos (ou funcionais). Quando são utilizados monômeros difuncionais obtêm-se uma estrutura polimérica linear. No caso de pelo menos um dos monômeros ter mais de dois grupos funcionais é obtido um polímero contendo ligações cruzadas e uma estrutura polimérica ramificada (Figura 1.35). O processo de polimerização conduz a formação de cadeias poliméricas de diferentes tamanhos, e conseqüentemente de pesos moleculares diferentes. A polidispersão é um fator que indica a distribuição de pesos moleculares dos polímeros. Por exemplo, se todas as cadeias poliméricas tiverem o mesmo peso molecular a polidispersão será igual a um. Todavia, a polidispersão da maioria dos polímeros comerciais é próxima de dois. As propriedades dos polímeros dependem de diversos fatores, como natureza química, estrutura, peso molecular, polidispersão, etc.

Estrutura linear

Estrutura ramificada

Figura 1.35 - Estruturas de polímeros lineares e ramificados

A estrutura molecular dos PUs pode variar desde os polímeros rígidos reticulados, até os elastoméricos de cadeias lineares e flexíveis (Figura 1.36). Os PUs flexíveis (espumas flexíveis e os elastômeros) possuem estruturas segmentadas constituídas de longas cadeias flexíveis (provenientes dos polióis) unidas por segmentos aromáticos rígidos de poliuretano e poliuréia. Os segmentos rígidos, especialmente os de poliuréia, formam ligações secundárias fortes e tendem a se aglomerar em domínios. As características dos PUS dependem grandemente das ligações hidrogênio entre os grupos polares da cadeia polimérica, principalmente entre os grupos N-H (doadores de próton) e as carbonilas (doadores de elétron) presentes nas estruturas uréia e uretano. Pontes de hidrogênio também podem ser formadas entre os grupos N-H e as carbonilas dos segmentos flexíveis de poliésteres e, mais dificilmente, com os oxigênios dos poliéteres (ligações fracas). Por outro lado, os PUs rígidos têm um alto teor de ligações cruzadas, resultantes dos reagentes polifuncionais utilizados, e não apresentam as estruturas segmentadas, presentes nos PUs flexíveis.

a) Elastômeros macios com alto alongamento

b) Polímeros com estrutura de domínios segregados (elastômeros de alto módulo e espumas flexíveis)

c) Polímeros rígidos com alto teor de ligações cruzadas

Figura 1.36 - Esquemas representativos das estruturas dos PU’s

Além das ligações uretânicas, os PUs possuem na cadeia macromolecular uma multiplicidade de outros grupos que contribuem para as forças coesivas intermacromoleculares (Tabela 1.12).

Tabela 1.12 - Energia coesiva molar de grupos orgânicos

Grupo

Energia coesiva (kcal/ml)

-CH2-  (hidrocarboneto)

0,68

-O-  (éter)

1,00

-COO- (éster)

2,90

-C6H4-  (fenileno)

3,90

-CONH-  (amida)

8,50

-OCONH- (uretano)

8,74

1.6.1 - Poliuretanos segmentados

As propriedades dos PUs preparados com o 1,6 hexanodiisocianato e 1,4-butano diol correspondem às das poliamidas de estruturas semelhantes. Os PUs amorfos preparados com TDI e dietileno glicol são rígidos e transparentes e apresentam pouca estabilidade dimensional em temperaturas elevadas. Os PUs obtidos pela reação de polióis lineares difuncionais com a quantidade estequiométrica de diisocianatos são amorfos e exibem propriedades elastoméricas. As forças intermoleculares são, essencialmente, as dos segmentos oriundos dos polióis e são baixas a dureza e resistência mecânica. Todos estes produtos possuem uma única fase e não apresentam estruturas segmentadas distintas. Os PUs segmentados são formados pela reação de um poliol, um diisocianato e um extensor de cadeia que pode ser glicol, diamina ou água. Estes PUs representam uma classe de produtos, caracterizados por sua estrutura segmentada (blocos poliméricos) constituída de duas ou mais fases poliméricas distintas. Esta estrutura segmentada é a responsável pelas excelentes propriedades destes polímeros. Os únicos PUs não segmentados de importância comercial são os altamente reticulados como as espumas rígidas e os revestimentos não têxteis.

Segmentos rígidos e flexíveis - Um PU preparado com um poliol linear de cadeia longa como o poli(adipato de 1,4-butano diol), um diisocianato (MDI) e um extensor de cadeia (1,4-butano diol) apresenta a estrutura representada na Figura 1.37. Os segmentos flexíveis apresentam-se normalmente enovelados e se alternam com as estruturas dos segmentos rígidos.

a)- segmentos flexíveis, b) - Segmentos rígidos

Figura 1.37 - Representação da cadeia de um PU segmentado

 

Morfologia dos domínios segregados - Nos PUs os segmentos flexíveis geralmente são incompatíveis com os segmentos rígidos e polares. Como conseqüência desta incompatibilidade ocorre uma separação de fases (segregação) sendo formadas microfases unidas por ligações covalentes. Esta segregação das fases será maior, quanto menor for a polaridade dos segmentos flexíveis. Assim a segregação será maior nos PUs de hidrocarbonetos, seguida dos de poliéter e menor nos de poliéster. A Tabela 1.12 ilustra a grande diferença de energia coesiva entre os constituintes dos dois segmentos. A matriz polimérica consiste de segmentos flexíveis enovelados e de segmentos rígidos agrupados e fixados por interações físicas. (Figura 1.38).

Figura 1.38 - Esquema das estruturas de domínios nos TPU’s

Morfologia dos domínios rígidos - Dependendo da natureza e tamanho dos segmentos rígidos e do grau de segregação, são formadas zonas tridimensionais, arranjadas espacialmente e predominantemente para-cristalinas, e no caso de resfriamento bastante lento e de comprimento suficiente dos segmentos rígidos podem ser formados microcristalitos. (Figura 1.39). As ligações secundárias dependem da proximidade e do arranjo espacial entre os segmentos rígidos, e são principalmente pontes de hidrogênio entre os grupos uréia e uretanos. Outra interação importante é a existente entre os elétrons p dos anéis aromáticos dos isocianatos.

Figura 1.39 - Domínio das interações entre os segmentos rígidos

Efeito dos segmentos rígidos - As interações entre as cadeias, principalmente as ligações hidrogênio entre os segmentos rígidos contribuem para as elevadas propriedades dos PUs. As propriedades termo-mecânicas dos PUs lineares segmentados são substancialmente diferentes das apresentadas pelos produtos com ligações cruzadas. Com a aplicação de forças mecânicas podem ocorrer mudanças na orientação e mobilidade das estruturas dentro dos domínios dos segmentos rígidos dependendo da temperatura. Neste processo as pontes de hidrogênio iniciais são rompidas e outras, energeticamente mais favoráveis, são formadas. Ocorre então, uma mudança na estrutura do PU na direção da tensão aplicada (Figura 1.40). Como conseqüência, a tensão é mais bem distribuída e como resultado, a resistência do material é aumentada. Este efeito contribui para o aumento da tensão de ruptura, alongamento, resistência ao rasgo e deformações permanentes.

A faixa de fusão dos domínios dos segmentos rígidos determina a estabilidade térmica dos PUs lineares segmentados. Acima da faixa de fusão o material é termoplástico. Com o aumento do tamanho do segmento rígido a faixa de fusão também aumenta e com o uso de diferentes extensores de cadeia a faixa de fusão pode ser intencionalmente modificada (Capítulo 6.3). Acima do ponto de fusão dos segmentos rígidos o PU linear forma um material homogêneo viscoso que pode ser processado como termoplástico. Todavia, muitas vezes a faixa de fusão é acima de 250oC e superior a temperatura de decomposição do PU, o que significa que mesmo PUs lineares podem não ser termoplásticos. Com o aumento do teor de segmentos rígidos o PU mostra um aumento na dureza e no módulo. Níveis acima de 60% em peso levam a uma mudança no comportamento do PU que passa de elastomérico para um plástico quebradiço de alto módulo.

Representações Esquemáticas das Estruturas de PU Segmentado Linear

I - Estrutura relaxada (s/esforço)

II - Estrutura estirada a 200%

III - Estrutura estirada a 500%

a) Segmento flexível, b) Segmento rígido, c) segmento flexível cristalizado pelo esforço

Figura 1.40 - Efeito da tensão aplicada na estrutura do PU segmentado

Efeito dos segmentos flexíveis - A mobilidade das cadeias macromoleculares depende grandemente da natureza química e do tamanho dos segmentos flexíveis que controlam as propriedades de flexibilidade a baixas temperaturas, bem como o comportamento químico do PU, como a resistência a solventes, água, ácidos, bases e intempéries. Para a obtenção de boas propriedades elastoméricas, especialmente resistência ao impacto, o segmento flexível deve ser amorfo e possuir uma temperatura de transição vítrea suficientemente baixa. Para preparar um PU com elasticidade de borracha deve-se usar poliol (segmento flexível) com peso molecular entre 1.000 a 4.000 correspondendo a um tamanho molecular entre 120 a 300. Enquanto a temperatura de congelamento Te (limite inferior da transição vítrea) do elastômero é cerca de 20 a 30oC acima da temperatura correspondente do poliol utilizado, a T* (limite superior da transição vítrea) normalmente é função do grau de segregação entre as fases dos segmentos rígidos e flexíveis. Em produtos contendo grandes teores de segmentos rígidos (>50%), a mobilidade dos segmentos flexíveis é bastante reduzida, e como resultado, a flexibilidade a frio é afetada. A tensão de ruptura, o módulo a 300% e o rasgo são bastante afetados pelo ponto de fusão (TM) do segmento flexível. O aumento do comprimento das cadeias dos segmentos flexíveis e o decréscimo do teor de segmentos rígidos, bem como a linearidade das cadeias do PU, favorecem a cristalização da fase flexível.

Estrutura molecular - O comportamento visco-elástico dos elastômeros lineares segmentados de PU foi investigado com o auxílio de experimentos módulo/temperatura. Foram encontradas propriedades similares às observadas em elastômeros em bloco, como o copolímero em bloco butadieno/estireno, tais como, um platô extenso na região de alto módulo. A ausência de pontes de hidrogênio no elastômero de hidrocarboneto, leva à conclusão de que não são somente as ligações hidrogênio as únicas responsáveis pelas propriedades observadas nos elastômeros de PU. Nos dois sistemas interações físicas reforçam a estrutura até a temperatura de fusão dos blocos de alto módulo, ser alcançada. Pela solvatação seletiva com diferentes solventes, de PUs aromáticos com segmentos flexíveis poliéster, foi possível demonstrar que uma associação dos segmentos rígidos no estado sólido (domínio dos segmentos rígidos) é um pré-requisito para a existência de uma temperatura de transição elevada.

Conforme mencionado anteriormente, nos elastômeros segmentados de PU são formadas pontes de hidrogênio entre os hidrogênios ativos dos nitrogênios uretânicos e as carbonilas uretânicas e ainda, com as carbonilas dos polióis poliésteres, ou com os oxigênios dos polióis poliéteres. Investigações das absorções no infravermelho, relativas ao estiramento das ligações N-H, indicam que mais de 90% dos hidrogênios dos grupos N-H, forma pontes de hidrogênio. Um estudo relativo aos grupos carbonila uretânicos, mostra que somente cerca de 60% destes grupos estão ligados ou associados. Pode-se então concluir que uma parcela substancial das ligações hidrogênio ocorre entre os grupos uretânicos e os blocos flexíveis dos macroglicóis. Outros estudos indicam que a formação das pontes de hidrogênio, nos elastômeros de PU a base de poliéster, depende do tamanho do segmento poliéster. Em polímeros com alta concentração uretânica, as ligações hidrogênio, entre os grupos N-H e as carbonilas uretânicas, predominam, todavia, as ligações N-H/éster tornam-se mais importantes à medida que diminui a concentração uretânica. Com base em análises de espectroscopia no infravermelho, dos sistemas poliéster e poliéter pode-se concluir que as carbonilas éster são as principais formadoras de pontes de hidrogênio, nos sistemas poliéster e que as carbonilas uretânicas são as principais responsáveis nos sistemas poliéter.

PUs com ligações cruzadas - Modificações nas propriedades dos PUs podem ser introduzidas variando-se o teor de ligações cruzadas. Estas ligações podem ser obtidas pela reação dos grupos isocianatos residuais com grupos uréia e uretano formando ligações biureto e alofanato (Capítulo 1), e também com a utilização de álcoois ou animas, tri ou poli-funcionais. A Tabela 1.13 mostra o efeito da densidade de ligações cruzadas sobre as propriedades físicas dos PUs elastoméricos, pela substituição do trimetilol propano por 1,4-butano-diol, como extensor de cadeia do PU obtido com MDI e poliadipato de etileno glicol. Estes dados mostram o efeito do aumento do peso molecular entre retículos Mc (ou da diminuição da densidade de ligações cruzadas), calculada a partir do teor de triol (trimetilol propano) adiconado aos reagentes. O decréscimo inicial do módulo, com o aumento do grau de ligações cruzadas, é contrário aos resultados observados em elastômeros de polihidrocarbonetos, onde um aumento na reticulação corresponde a aumento no módulo. No caso de poliuretanos, o que ocorre aparentemente é que um número maior de ligações cruzadas reduz a capacidade de orientação das cadeias e desta forma a probabilidade da formação de pontes de hidrogênio e outras interações intermoleculares. Este fenômeno continua operando até que a densidade de ligações cruzadas seja suficientemente alta para que estas possam exercer seu efeito próprio acarretando então aumento no módulo.

Enquanto o alongamento e as taxas de deformações permanentes decrescem com o aumento da densidade de ligações cruzadas, a tensão de ruptura inicialmente cresce, mas depois decresce. Quando um PU linear segmentado é reticulado os efeitos das ligações cruzadas predominam sobre os efeitos oriundos da segregação de fases. Polímeros preparados com reagentes polifuncionais, possuindo ligações cruzadas em sua estrutura macromolecular, têm menor tendência a formar domínios com áreas reticuladas fisicamente, pois suas cadeias têm menor mobilidade do que as dos PUs lineares. Nos casos de baixos teores de ligações cruzadas o módulo de elasticidade decresce. Em condições extremas, a segregação dos domínios rígidos pode não ocorrer devido ao fato de que as cadeias poliméricas já estão fixadas espacialmente e, mesmo o tratamento térmico não resulta em melhora nas propriedades físicas do PU.

Tabela 1.13 - Efeito da densidade de ligações cruzadas (Mc) nas propriedades físicas

Mc

TENSÃO NA RUPTURA (MPa)

ALONGAMENTO (%)

MÓDULO A 100% (MPa)

RESISTÊNCIA AO RASGO (kN/m)

DUREZA (Shore B)

DEFORMAÇÃO PERMANENTE
 (%)
           

Tração

Compressão

2100

12,4

170

3,9

5,4

57

0

1,5

3100

12,0

200

3,0

4,5

53

0

16

4300

10,0

280

2,1

5,4

49

0

10

5300

19,3

350

1,9

5,4

46

0

0

7100

31,0

410

2,3

7,1

51

0

25

10900

38,6

490

3,2

10,8

55

5

40

21000

38,0

510

3,5

15,0

56

10

45

infinito

46,5

640

4,3

54,0

61

15

55

Mc - peso molecular médio entre pontos de cruzamento (inversamente proporcional à densidade de ligações cruzadas)

2.1 - Catalisadores